domingo, 18 de setembro de 2011

 Foi numa das tardes monótonas de dezembro, em meio à meu ritual cotidiano na varanda de meu apartamento, que notei, por absoluto desleixe, desvio momentâneo de atenção, uma belíssima moça de cabelos castanhos cruzar a rua em frente ao prédio onde moro.
 Em cinco anos, naquele mesmo ciclo monótono de vida, nada havia me despertado o interesse, nada fizera com que eu desviasse minha atenção para algo além dos meus artefatos ritualísticos (se assim os posso chamar).
 O rosto dela eu não vi, estava coberto por seus cabelos, porque o vento insistia em jogá-los contra sua face. Não sei dizer-lhes nada a respeito dos olhos, da boca, das sobrancelhas, porém, acho que sou capaz de descrever, em ordem alfabética, todos os detalhes daqueles cabelos, que tinham as pontas queimadas de sol, e nem eram totalmente lisos nem cacheados. O equilíbrio pairava sobre aqueles fios finos - o desequilíbrio pairava sobre aqueles fios hipnóticos.
 Sou capaz de descrever, minuciosamente, os detalhes de seu vestido verde meio desbotado, contrastando entre o claro, médio e escuro.
 Eu não enxerguei chão sob seus pés, eu não enxerguei prédios ao seu redor, muito menos seres humanos. Aquela mulher me fez cair, ainda mais, na irrealidade.
 Ela me fez beber sonho, comer sonho, respirar sonho e até mesmo expelir sonho.
 O nome dela eu não sabia, e não queria saber. Se eu soubesse o nome, o endereço, talvez ela não mais se encaixasse nos padrões irreais, talvez ela se tornasse igual a tantas outras mulheres que passam na calçada do prédio onde moro, mais uma na fila do pão.
 Eu era submisso à ela, eu era dependente... porque sonho ela me dava, porque da realidade suja ela me tirava, porque com o leite quente do seu seio ela me alimentava.

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