terça-feira, 13 de setembro de 2011

 Era fim de tarde, e eu não tinha absolutamente nada para fazer, - ou tinha, mas não queria fazer - então tomei meu violão, puxei um banco e sentei-me na varanda do meu luxuosíssimo apartamento de um quarto só, uma cama só - um cômodo só. [vós notais a ironia? mera ilusão, a vossa. Gosto deveras das coisas simples. Gosto?] Toquei meu samba de uma nota só, tomando uma dose só de vinho, fumei um só cigarro; nesse meu desfrutar do prazer de estar desfrutando algo comigo, não percebi que as retinas de uma espécie humana, no ápice da juventude, estava a se encantar com a rotina de um velho de 35 anos de idade (Trinta e cinco anos é a idade cronológica.    
 Era curioso, o rapaz; depois de ter notado, toquei, mais uma vez, o meu samba de uma nota só, tomei mais uma dose de vinho, fumei mais um cigarro. Rompi o meu ciclo só para estudar o olhar naquele menino - ou talvez para me envaidecer.
 Eu não entendia. Como pode alguém sentir interesse pela rotina de uma alma velha como a minha?
 Eu já não entendia mais nada, e não entender fenômenos acontecidos comigo, frusta-me bastante. Tenho para mim que fiz uma grosseria medonha; levantei de súbito, pegando violão, quebrando o copo em que havia bebido as duas doses de vinho. Arremessei o violão sobre o sofá da sala e voltei a olhar para baixo - acho que com uma certa fúria nos olhos; a fúria da ignorância, da curiosidade - o menino continuava lá, observando tudo o que eu fazia. Ele não tirava os olhos de mim.
 Não, eu não me envaidecia, eu tinha raiva, mas era raiva de mim, por não poder compreender o que acontecia, por não poder gritar: - EI! POR QUE ME OLHAS ASSIM? COMO SOU AI, DENTRO DA TUA CAIXA DE PENSAMENTOS? - e, de repente, parecer mais ignorante e ranzinza do que já me condenava a face.
 Resolvi permanecer ali, feito uma estátua humana que tossia, suava e escarrava. Então, entre um ou dois segundos de diferença - na verdade, os segundos de diferença são bem relativos, mas me pareceram um ou dois segundos de intervalo mesmo -  foram chegando mais pessoas, e mais pessoas, e riam - para meu maior tormento. Eu continuava na ignorância, e envergonhado - o que não é pior que a ignorância, mas também me aflige. A vergonha, creio eu, só existe em função do contato social, ou quase-social, considerando o fato de que meu contato com pessoas não chega a ser de total interação; e esse negócio de socializar 'sempre' me irritou bastante.
 Passaram-se minutos de risadas e comentários, mas eu, com minha audição divina, não conseguia ouvir que diabos aquelas pessoas tanto falavam; então, depois de uma rajada de vento, me bateu um frio incomum - um frio de arrancar os dentes - foi ai que - acredito que por impulso ou coisa parecida - cruzei os braços na tentativa de aquecer meu corpo, e minhas mãos, tão surpresas quanto eu, sentiram falta do tecido áspero de minhas vestes. Continuei apalpando meus braços, peito, tórax, e só sentia a maciez de minha pele. Agora, meus caros, na minha face não mais se estampava o ódio ocasionado pela incompreensão, mas sim a surpresa e o medo; medo de olhar para baixo e ver... ver... ver meu sexo exposto, na vista de crianças, mulheres, homens, gatos, cachorros.
 Não olhei. Continuei com a mesma face, atônito, olhando para aquelas pessoas que estavam a debochar de mim - exceto o rapaz que já me olhava há tempos. Fui deslizando minhas mãos pelo meu tórax até chegar nos países baixos, e, ao sentir meu pelos púbicos, tratei de esconder, o que muitos já haviam visto, com as mãos. Corri para dentro e tranquei a porta que dava acesso à varanda. A vergonha não era o que me perturbava, mas sim o fato de eu, por algumas horas, ter esquecido que existia vida além daquelas quatro paredes, daquele cubículo que eu chamava, carinhosamente, de lar; eu havia me esquecido, também, que já não usava mais roupas em casa há meses.

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